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Os sofistas e a arte da retórica

30/04/2016 às 09:13
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Apresentam-se relatos sobre os sofistas, as críticas a eles dirigidas e a sua importância para o desenvolvimento da retórica, método persuasivo amplamente utilizado até os dias atuais, sobretudo por profissionais do Direito e por políticos, em seus discursos.

Sumário: Introdução; 1.Sofistas; 2.Crítica dos filósofos clássicos; 3.A oratória e a retórica como instrumentos de influência nas formas de organização social; 4.O papel da oratória na sociedade moderna; 4.1. Utilização do método sofista na política brasileira; 5.Considerações finais; Referências Bibliográficas.

Resumo: Os sofistas, mestres da retórica como instrumento de convencimento e conquista de interesses, foram amplamente criticados, sobretudo pelos filósofos clássicos, por não possuírem compromisso com a verdade e cobrar financeiramente para transmitir seus ensinamentos. Mas apesar das amplas críticas, os sofistas desempenharam papel de grande relevância com a criação da retórica que embora seja muito utilizada por políticos para ludibriar o povo e alcançar o poder, também é de grande utilidade para a boa articulação do discurso, para defesa de teses, entre outras utilidades que não meramente ludibriativas.

Palavras-chaves: sofista, retórica, críticas, sociedade moderna.


INTRODUÇÃO

Esse trabalho pretende abordar a temática dos sofistas, não só em seus aspectos negativos conceituados pelos filósofos clássicos (Sócrates, Platão e Aristóteles), mas também e, sobretudo, em seus aspectos positivos referentes ao desenvolvimento da arte da retórica, importante instrumento discursivo desde o século IV a.c. até os dias atuais.

 Representando uma transição do período cosmológico (cosmo = mundo/universo + logos = estudo) para o período antropológico (antropo = homem + logia = estudo), os sofistas possuem o mérito de "principiar a fase na qual o homem é colocado no centro das atenções, com todas as suas ambiguidades e contrárias posturas (psicológicas, morais, sociais, políticas, jurídicas...)" (BITTAR, 2008, p.86). Mas, inicialmente, para melhor entender a temática dos sofistas, faz-se necessária a seguinte indagação: o que causou o deslocamento do período cosmológico, presente nos pré-socráticos, para um período de caráter antropológico em um dado momento histórico (séc. IV - V a.c.)?

As respostas a tal indagação são várias, visto que essa não é uma transição que ocorre repentinamente, mas sim de forma gradativa, à medida que vão ocorrendo mudanças no contexto social.

A partir da análise de tais mudanças são encontrados os motivos mais próximos, uma vez que são muitos, apontados como causas para essa transição, como: expansão das fronteiras gregas; intensificação do comércio; abertura da democracia ateniense; esquematização da participação popular nos instrumentos de exercício do poder; sedimentação de um longo processo de reorganização social e política de Atenas; entre outros.

Logo, o contato com outras culturas, o enfraquecimento da aristocracia e tantos outros motivos acabaram contribuindo para uma nova estruturação da sociedade grega e entre tais transformações o surgimento da democracia foi uma das principais a contribuírem com a ascensão dos sofistas.


1 - SOFISTAS

Com o surgimento da democracia e o enfraquecimento da visão mitológico-religiosa de que apenas os aristocratas podiam participar da política por serem pessoas abençoadas pelos deuses, o aumento da participação popular em discussões de interesses comunitários, discursos e elocuções públicas passou a exigir de todos os cidadãos que se dedicavam à atividade política (o que faziam todos os aristocratas) o domínio de conhecimentos gerais para o uso retórico, e certa facilidade na eloquência, no domínio da técnica de falar devido à grande importância alcançada pelas assembleias públicas. Diante disso, os sofistas, dos quais se destacaram Protágoras e Górgias, encontraram momento propício para o seu desenvolvimento.

Protágoras, o principal representante do movimento sofista, teve como destaque da sua trajetória o princípio da sua doutrina, que percebeu nas teorias dos filósofos cosmológicos o valor relativo da verdade e estabeleceu a inexistência da verdade em sentido absoluto. Segundo ele, a verdade dependia apenas do convencimento, podendo assumir valor relativo ou subjetivo, ou seja, para ele, "o homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são e das que não são, enquanto não são". Estabelece que, sendo o homem a medida de todas as coisas, é ele também a medida da verdade.

Já Górgias, um dos maiores oradores da antiguidade, foi responsável pela expressão de máximo ceticismo do relativismo Pitagórico, formulada em três teses básicas: "nada existe, se existisse não poderia ser conhecido, se fosse conhecido não poderia ser comunicado", que o levou à conclusão de que os filósofos cosmológicos produziram teses tão contraditórias em relação à existência do ser que acabaram afirmando o contrário, ou seja, a existência do não-ser, isto é, do nada. Sendo assim, segundo ele, não existe um conhecimento certo das coisas. Ele se preocupou apenas em mostrar o poder da palavra, não como expressão da verdade, mas como força de persuasão, pois, para ele, um bom orador é aquele capaz de convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa.

Logo, quebrando o tradicionalismo e o caráter absoluto das coisas, os sofistas estabeleceram a relativização da verdade. E, distanciando-se de tais coisas, conceitos absolutos, passaram a difundir seus conhecimentos retóricos preparando os jovens, dinamizando seus auditórios, fornecendo instrumentos oratórios para o cuidado das próprias causas e fornecendo técnicas aos que pretendiam alcançar funções públicas notáveis.


2 – CRÍTICAS DOS FILÓSOFOS CLÁSSICOS

Amplamente criticados, sobretudo pelos filósofos clássicos (que contribuíram para a falsa visão de que os sofistas constituem uma escola), os sofistas, cujo significado etimológico inicial é "sábio", com o tempo passaram a adquirir sentido oposto, de cunho pejorativo, designando aquele que não é sábio, mas pretende ser versado em uma técnica.

Tal visão depreciativa acerca dos sofistas foi sendo adquirida ao longo do tempo, sobretudo pela grande oposição dos filósofos (Sócrates, Platão e Aristóteles) aos mecanismos empregados pelos sofistas em seus discursos. 

Com ideais amplamente opostas aos mecanismos sofistas, os filósofos clássicos tiveram como principais alvos de suas críticas a estes: suas concepções relativistas; o não comprometimento destes com a verdade; a cobrança financeira para ensinar; o distanciamento dos reais ideais filosóficos (busca da verdade, do conhecimento), pois os seus ideais eram voltados para a busca do sucesso, do êxito, independente dos artifícios necessários, falaciosos, para alcançá-lo; a negação da existência do conhecimento; entre outros.

Sócrates, célebre orador que dominava como ninguém a arte da retórica, como grande defensor do diálogo com método de educação, teve como principal motivo de crítica aos sofistas o fato destes cobrarem para ensinar. Por cobrarem por seus ensinamentos, Sócrates definiu os sofistas como impostores que tinham propósitos nem sempre muito honestos, já que muitas vezes desviavam-se do objetivo principal da filosofia que é a busca da verdade. 

Platão, discípulo de Sócrates, considerou a sofística como uma atitude viciosa do espírito, uma arte de manipular raciocínios, de produzir o falso, de iludir os ouvintes, sem qualquer amor pela verdade, consideração essa também seguida por seu discípulo Aristóteles.


3 – A ORATÓRIA E A RETÓRICA COMO INSTRUMENTOS DE INFLUÊNCIA NAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Apesar das críticas destinadas aos sofistas, grandes oradores, e a seu método retórico, não há como ignorar a importância da oratória, do método discursivo para a estruturação das organizações sociais.

Sempre característica marcante dos grandes líderes, desde as primeiras civilizações, a arte de bem articular discursos, a técnica de domínio da palavra, de convencimento, continua a ser um importante instrumento de conquistas, de exercício da autoridade e da liderança. E é nas sociedades antigas, sobretudo, que percebemos o caráter fundamental da palavra para a determinação de costumes em determinados períodos da história, tais como: período mitológico (mito mantido por meio do discurso repetitivo passado de geração para geração; decisões do destino da sociedade estabelecidas na ágora por meio do discurso); período teológico-religioso (crenças - disseminadas pelo discurso passado de geração para geração; julgamento canônico - as partes envolvidas elaboram seus discursos de defesa, e o que melhor argumenta é inocentado, pois consideram que este foi iluminado por Deus em suas palavras etc.); período científico - agora mais conhecedores dos aspectos racionais e menos voltados ao transcendente, os homens tornam-se menos influenciados pelo discurso de terceiros, mas não totalmente (exemplo de importância da palavra para a determinação da estrutura da sociedade racional = estrutura política, escolha de políticos com base no discurso por ele proferido etc.)

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Além destes, a palavra foi de fundamental importância para a manutenção da ordem nas sociedades que antecederam o surgimento das primeiras leis escritas com o código de Hamurabi, onde até então as regras para o estabelecimento da ordem e da harmonia eram absolvidas e transmitidas de uns para os outros por meio do discurso repetitivo, enraizado, da palavra. E, ainda, quando vieram a surgir de fato as primeiras leis escritas, a palavra passou a ter um novo papel de importância, o testemunho (o falso testemunho era geralmente punido de forma rude, em face do caráter fundamental que possuía - exemplo: acusar falsamente alguém de homicídio = punição pelo código de Hamurabi na mesma intensidade do dano causado ao outro, ou seja, teria como punição a pena de morte), geralmente o único instrumento para a comprovação de um dado crime.


4 - O PAPEL DA ORATÓRIA NA SOCIEDADE MODERNA

 Como instrumentos de exercício da liderança e da conquista, a oratória e a retórica têm como poder: conferir caráter de destaque aos que a elas dominam. Hoje, na sociedade moderna, a oratória e a retórica consistem em dois importantes instrumentos para o alcance de interesses, sobretudo para o profissional do Direito, que tem no instrumento discursivo, persuasivo, artifícios para o alcance dos seus objetivos dentro do âmbito profissional.

4.1 – O USO DO MÉTODO SOFISTA NA POLÍTICA BRASILEIRA

 Apesar das várias críticas voltadas aos sofistas, os seus aspectos retóricos, persuasivos continuam a perpetuar-se até os dias atuais, sobretudo na esfera política.

Sendo a retórica sofista um instrumento vazio de conteúdos que possui como finalidade apenas a valorização do discurso (seja ele de caráter verdadeiro ou não) e da persuasão para o alcance de interesses. Podemos diagnosticar, corriqueiramente, tais características presentes nos políticos brasileiros, que frequentemente expõe discursos falaciosos, prometendo realizar mudanças em matérias que, por vezes, não são sequer de sua competência, ou seja, proferem discursos apenas com o intuito de alcance do poder, sem qualquer compromisso ou desejo de agir em prol da melhoria social.  Logo, temos como maioria dos nossos governantes, “sofistas contemporâneos”, ou, ao menos, discípulos dos sofistas, uma vez que estes – políticos brasileiros – não são declarados professores da retórica.


5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

 No presente artigo vimos, então, que os sofistas surgiram, principalmente, devido ao advento da democracia ateniense, e que tinham como principal instrumento de atuação a retórica. Também constatamos que foram amplamente criticados pelos filósofos clássicos, e que, apesar das críticas, exerceram papel de grande importância, sobretudo quanto ao desenvolvimento da retórica, que se perpetua até os dias atuais tanto de forma positiva (para defesa de uma tese) quanto de forma negativa (utilizada como artifício de convencimento por grande parte dos políticos em seus discursos falaciosos).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1.     ALBERGARIA, Bruno. Histórias do Direito: Evolução das Leis, Fatos e Pensamentos. Atlas, 2011

2.     BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de Filosofia do Direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 201

3.     REZENDE, Antônio. Curso de Filosofia. 12. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Milena Costa. Os sofistas e a arte da retórica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4686, 30 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48589. Acesso em: 23 abr. 2024.

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